O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC emitiu o Pronunciamento Técnico CPC 06 (R2) que discorre sobre as operações de arrendamento mercantil, cuja origem está correlacionada às Normas Internacionais de Contabilidade – IFRS 16. Com isso, a Deliberação CVM 787 tornou obrigatório, para as companhias abertas, tal pronunciamento a partir de 1º de janeiro de 2019.
Segundo o CPC 06 (R1), que antecede o CPC 06 (R2), “arrendamento mercantil é um acordo pelo qual o arrendador transmite ao arrendatário em troca de um pagamento ou série de pagamentos o direito de usar um ativo por um período de tempo acordado”. Ainda segundo o mesmo Comitê, “arrendamento mercantil financeiro é aquele em que há transferência substancial dos riscos e benefícios inerentes à propriedade de um ativo. O título de propriedade pode ou não vir a ser transferido”. Já o arrendamento mercantil operacional “é um arrendamento mercantil diferente de um arrendamento mercantil financeiro”.
Em termos práticos, até o final do ano de 2018, para as companhias abertas, a contabilização do arrendamento mercantil operacional continua a ser realizada ao se registrar a despesa diretamente no resultado do exercício, sem nenhum lançamento contábil no ativo e passivo. Já a contabilização do arrendamento mercantil financeiro registra o bem no ativo imobilizado, reconhece o passivo de arrendamento e lança a despesa financeira e a depreciação no resultado do exercício.
Com a adoção do IFRS 16, a contabilização do arrendamento operacional sairá de cena e os ativos caracterizados como decorrentes de arrendamento serão contabilizados como direito de uso, tendo sua divulgação em linha separada no balanço ou abrindo os saldos em nota explicativa. A divulgação dos passivos segue a mesma lógica. Dessa maneira, não haverá mais diferenças de contabilização entre arrendamento operacional e financeiro, já que o evento será tratado única e exclusivamente como arrendamento mercantil.
Além disso, vale destacar que mesmo que não haja um contrato formalizado de arrendamento mercantil, um contrato de aluguel, por exemplo, pode ser caracterizado como direito de uso, já que prevalece a essência da transação e não a forma do contrato (princípio contábil da essência sobre a forma).
O quadro abaixo resume o que foi exposto no parágrafo acima:
Contabilizações | ||||
ativo | passivo | resultados | ||
Antes do IFRS 16 (até 31/12/2018) | Arrendamento Operacional | – | – | Despesa operacional |
Arrendamento Financeiro | imobilizado | Arrendamento | Despesa financeira e depreciação | |
Depois do IRFS 16 (a partir de 01/01/2019) | Arrendamento Operacional | – | – | – |
Arrendamento Financeiro | Direito de uso | Arrendamento | Despesa financeira e depreciação |
Contabilizações do arrendamento mercantil de uma arrendatária
Uma pequena empresa varejista inicia sua operação com R$ 70.000 e compra R$ 30.000 em mercadorias, deixando o restante no caixa da empresa. Em seguida, assina um contrato de aluguel por três anos, com prestações anuais de R$ 12.000, cuja taxa de juros implícita é de 10% ao ano. Considera-se que, nos próximos três anos, essa empresa fatura R$ 25.000 por ano com um custo de R$ 10.000. Por simplificação, não foram considerados impostos e taxa de reajuste anual do contrato.
O primeiro passo para iniciar a contabilização do arrendamento mercantil é trazer a valor presente o montante de R$ 36.000 do contrato, considerando uma taxa anual de 10%. Portanto, o direito de uso e respectivo passivo de arrendamento é de R$ 29.842,22. As despesas de juros totalizam R$ 6.157,78, conforme demonstrado a seguir.
Período | Valor Presente | Juros Parcelas | Prestações | Despesas Juros | Amortização | Saldo da Dívida |
0 | 29.842,22 | |||||
1 | 10.909,09 | 1.090,91 | 12.000 | 2.984,22 | 9.015,78 | 20.826,45 |
2 | 9.917,36 | 2.082,64 | 12.000 | 2.082,64 | 9.917,36 | 10.909,09 |
3 | 9.015,78 | 2.984,22 | 12.000 | 1.090,91 | 10.909,09 | 0,00 |
29.842,22 | 6.157,78 | 36.000,00 | 6.157,78 | 29.842,22 |
Após o registro de todas as contabilizações (a planilha com o detalhamento dos lançamentos pode ser baixada aqui), evidencia-se o seguinte demonstrativo**:
Ref | CONTAS | Períodos | |||
A0 | A1 | A2 | A3 | ||
L1 | TOTAL ATIVO | 99.842,22 | 92.894,82 | 85.947,41 | 79.000,00 |
L2 | Caixa | 40.000,00 | 53.000,00 | 66.000,00 | 79.000,00 |
L3 | Estoques | 30.000,00 | 20.000,00 | 10.000,00 | 0,00 |
L4 | Direito de Uso | 29.842,22 | 29.842,22 | 29.842,22 | 29.842,22 |
L5 | Depreciação Acumulada | 0,00 | -9.947,41 | -19.894,82 | -29.842,22 |
L6 | TOTAL PASSIVO + PL | 99.842,22 | 92.894,82 | 85.947,41 | 79.000,00 |
L7 | Passivo Circulante | 9.015,78 | 9.917,36 | 10.909,09 | 0,00 |
L8 | Arrendamento Mercantil (PC) | 12.000,00 | 12.000,00 | 12.000,00 | 0,00 |
L9 | Juros a apropriar (PC) | -2.984,22 | -2.082,64 | -1.090,91 | 0,00 |
L10 | Passivo Não Circulante | 20.826,45 | 10.909,09 | 0,00 | 0,00 |
L11 | Arrendamento Mercantil (PNC) | 24.000,00 | 12.000,00 | 0,00 | 0,00 |
L12 | Juros a apropriar (PNC) | -3.173,55 | -1.090,91 | 0,00 | 0,00 |
L13 | TOTAL PL | 70.000,00 | 72.068,37 | 75.038,32 | 79.000,00 |
L14 | Capital Social | 70.000,00 | 70.000,00 | 70.000,00 | 70.000,00 |
L15 | Lucros Acumulados | – | 2.068,37 | 5.038,32 | 9.000,00 |
L16 | RESULTADO | – | – | – | – |
L17 | Receita de Vendas | – | 25.000,00 | 25.000,00 | 25.000,00 |
L18 | CMV | – | -10.000,00 | -10.000,00 | -10.000,00 |
L19 | Despesas Financeiras | – | -2.984,22 | -2.082,64 | -1.090,91 |
L20 | Depreciação | – | -9.947,41 | -9.947,41 | -9.947,41 |
L21 | Lucro Líquido | – | 2.068,37 | 2.969,95 | 3.961,68 |
L22 | EBITDA | – | 15.000,00 | 15.000,00 | 15.000,00 |
L23 | Margem EBITDA | – | 60,00% | 60,00% | 60,00% |
L24 | – | – | – | – | |
L25 | Antes do IFRS 16 (IAS 17) | – | – | – | – |
L26 | Vendas | – | 25.000,00 | 25.000,00 | 25.000,00 |
L27 | CMV | – | -10.000,00 | -10.000,00 | -10.000,00 |
L28 | Despesa Operacional | – | -12.000,00 | -12.000,00 | -12.000,00 |
L29 | Lucro Líquido | – | 3.000,00 | 3.000,00 | 3.000,00 |
L30 | EBITDA | – | 3.000,00 | 3.000,00 | 3.000,00 |
L31 | Margem EBITDA | – | 12,00% | 12,00% | 12,00% |
Análise das contabilizações e impactos decorrentes
Ao analisar o demonstrativo da empresa varejista, vale a pena notar que a contrapartida do direito de uso de R$ 29.842,22 (Ref: L4) é composta pela somatória dos arrendamentos mercantis do passivo circulante e não circulante que totalizam R$ 36.000,00 (Ref: L8 e L11), mais os juros a apropriar do passivo circulante e não circulante que somam R$ – 6.157,78 (Ref: L9 e L12). Tal contabilização reflete um passivo financeiro (dívida) que antes não existia com os arrendamentos operacionais que eram lançados apenas no resultado. Portanto, índices de endividamento como, por exemplo, passivo oneroso/EBITDA e dívida líquida/patrimônio líquido serão diretamente impactados.
Com relação ao impacto no resultado dos lançamentos de arrendamento mercantil, vale notar que as despesas financeiras são decrescentes (Ref: L19), enquanto que o efeito da depreciação é calculado linearmente (Ref: L20) em função do valor do direito de uso e o prazo do contrato. Ao se somar as despesas financeiras do contrato de aluguel mais a depreciação dos três anos (Ref: L19 e L20) chega-se ao mesmo montante da despesa operacional pelo critério do IAS 17 que é de R$ 36.000,00 (Ref: L 28). Isso posto, entende-se que há diferenças temporais entre o IAS 17 e o IFRS 16, mas no final do prazo do contrato de arrendamento, ou seja, em três anos, em ambos os critérios o valor do lucro líquido total foi de R$ 9.000,00 (Ref: L21 e L29).
Outro ponto importante se refere ao desembolso de caixa. Em ambos critérios (IFRS 16 e IAS 17), o valor foi o mesmo, ou seja R$ 36.000,00 que se referem à somatória das prestações do contrato de aluguel. Em outras palavras, a mudança da contabilização decorrente do IFRS 16 não impacta o caixa da empresa.
Conclusão
Muitas empresas ainda continuam usando a planilha eletrônica para o controle e elaboração dos cálculos do IFRS 16. Percebemos que as empresas brasileiras preferiram utilizar o Excel até se familiarizarem com o novo processo e agora estão buscando a solução que a EBS-IT Services desenvolveu na solução Oracle na nuvem.
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*Marcos Batista é mestre em Controladoria Empresarial e coordenador de cursos da Faculdade Fipecafi. Autor do livro: A contribuição do controller como business partner – sistematização de atividades sob a ótica do sistema de gestão do desempenho. Atua como consultor na área de Management Consulting e é um dos responsáveis pela solução IFRS 16 da EBS-IT Services.
**A coluna “Ref” significa Referências e tem por objetivo facilitar a análise do leitor. Por exemplo, Ref L1 e L6 fazem referência às Linhas 1 e 6, e menção às contas TOTAL ATIVO e TOTAL PASSIVO + PL.
A coluna “CONTAS” demonstra, de maneira simples, contas patrimoniais de ativo, passivo, patrimônio líquido e resultado, além de três indicadores: lucro líquido, EBITDA e margem EBITDA, de acordo com as contabilizações do IFRS 16 (Linhas 1 a 23). Em seguida, as linhas 25 a 31 demonstram contas de resultado e os três indicadores recém-citados, de acordo com as contabilizações do IAS 17, que é o critério anterior ao IFRS 16.
As colunas A0 a A3 se referem aos “anos” das contabilizações. A0 indica o ano de constituição da empresa e mensuração inicial do arrendamento mercantil. Os anos A1 a A3 demonstram, em conjunto com as contas, os valores decorrentes das contabilizações.